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Entrevistas

“Foi uma farra a distribuição de terrenos no início de Palmas”

12/03/2012 00h49

Foto: Ruy Bucar Fazendeiro Olavo Benedito Firmino de Paiva

Proprietário da Fazenda Vale do Akauan conta que essa não é a primeira vez que é desapropriado e teme perder seu último patrimônio

Ele vive o pesadelo de ser desapropriado pela terceira vez em Pal­mas e teme perder as suas terras e não ter a quem apelar como aconteceu em passado recente. O fazendeiro Olavo Benedito Firmino de Paiva ainda não curou o trauma de ter perdido duas propriedades no processo de desapropriação de terras na Capital para a construção da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães. “Esta não é a primeira desapropriação e com certeza não é a primeira a perder, e perdendo esta não tenho mais nada a perder,” revela o proprietário indignado com descaso com que vem sendo tratado.

Desta vez o fazendeiro não teme apenas perder parte da propriedade, mas inviabilizar o seu projeto de agrovila e escola agrícola que há quatro anos vem sendo implantado. Cético quanto à possibilidade de diálogo com o governo, Olavo se desespera. “Estou em Palmas desde os primeiros dias, cheguei em julho de 89, conheço o nosso governador, no qual votei a vida toda, mas sei da sua truculência, que não dá satisfação a ninguém, toma propriedades a revelia, porque assim me foi tomado as demais que tive no começo,.”

Como recebeu a notícia de construção de um presídio em sua propriedade?

Quando fui informado pela minha senhora que vinha da beira da estrada onde tinha ido buscar o nosso menino (Olavo Akauan) que o ônibus deixa ao trazer da escola, ela se surpreendeu com um grupo de pessoas numa caminhonete oficial. Parece que a gente não vive num país democrático, no pé em que estava a desapropriação até aquela data e nós não sabíamos de nada. Minha senhora por acaso encontrou essa equipe filmando e escolhendo o lugar para a construção do tal presídio. Ela perguntou do que se tratava, se precisavam falar comigo, eles se apresentaram dizendo que era da Secretaria de Infraestrutura e que estavam escolhendo o melhor local para a construção de um grande presídio. Minha mulher amarelou, quase desmaiou e disse que estava havendo um engano porque ali estava sendo implantada uma agrovila que é vontade nossa e um sonho do marido que vem lutando a mais de quatro anos para fazer isso, e que está implantado um georeferenciamento onde não é desejo só meu e dele, mas de dezenas de pessoas proprietárias aqui dentro. O cidadão para acalmá-la disse que não precisava ficar nervosa porque poderia haver outra forma, e desse dia em diante eu não dormi mais. Fui me inteirar do caso e constatamos a veracidade do fato já com decreto de desapropriação e a área demarcada, o serviço de engenharia feito em cima das áreas piquetadas, implantado via satélite com marco de concreto nos cantos das quadras, determinadas em tamanho sob orientação do financiamento do Pronaf, onde pretendemos colocar 112 famílias com agricultura familiar. Vimos isso ser sufocado imediatamente com a chegada do presídio. Eu fiquei sem fala, fiquei doente, eu com 74 anos, com a saúde debilitada e estou aqui a zero, chorando as mágoas e pedindo ajuda às autoridades, à imprensa, aos amigos que me ajudem a proteger esse vale que amo tanto.

O sr. já foi comunicado oficialmente da decisão do governo?

Não fui e acredito que não serei. Estou em Palmas desde os primeiros dias, cheguei em julho de 89, conheço o nosso governador, no qual votei a vida toda, mas sei da sua truculência, que não dá satisfação a ninguém, toma propriedades a revelia, porque assim me foi tomado as demais que tive no começo para o acontecimento da Usina do Lajeado. Perdi um grande patrimônio que trouxe para Palmas, e eu sou, com certeza poderia chamar um pioneiro injustiçado. Perdi meu patrimônio, a minha juventude, meus filhos que vieram comigo e foram os primeiros a trazer know-how na área da saúde quando criamos o primeiro laboratório de saúde em Palmas, o Imunolab, hoje Genesis. Doutora Rosana Greice, que é muito conhecida, é minha filha e hoje prova a necessidade dela no Estado ao estar à frente do Hemocentro de Palmas; meu filho advogado, sob minha orientação nunca apareceu no cenário político, Carlos Alberto que chegou a ser advogado da Câmara de Palmas no tempo do prefeito Eduardo (Siqueira Cam­pos); minha filha Beatriz que esteve à frente do CCAA, primeiro curso de inglês e que prestou como intérprete das primeiras caravanas de estrangeiros que vieram saber sobre o Tocantins, no Palácio (Araguaia), no Sebrae, e assim por diante. Então isso é mais ou menos um pouco do que trouxe e no entanto fui desapropriado e esta não é a primeira desapropriação. E perdendo esta não tenho mais nada a perder, só resta então eu e minha moçada (três filhos mais novos).

Qual o impacto da construção no projeto de agrovila e escola agrícola que o sr. vem desenvolvendo?

Até agora eu não sei se coro ou amarelo de vergonha. Pela primeira vez eu me senti enfraquecido, derrotado, impotente, empobrecido, sem forças até para dizer o que sou. Quando numa reunião que houve recentemente numa mobilização da Câmara de Aparecida do Rio Negro contra isso, eu me desequilibrei e cai em choro porque foi tão grande a luta, mais de cinco anos quando começamos o projeto, a primeira coisa que eu fiz, achando que estamos numa grande falência de conhecimento de como produzir alimento e que não temos material humano com formação para isso, o primeiro pensamento foi criar uma escola técnica agrícola, por ser eu de família centenária de tendência católica, achei por bem oferecer à Católica de Palmas e fiz isso por intermédio do querido padre Aderso Alves dos Santos, amigo que levou ao conhecimento do arcebispo na época, Dom Alberto Taveira, que após uma visita que reativou meus ânimos, prometeu tratar com muito carinho dessa questão, que aceitaria sim a começar programar a criação e a implantação desse grande complexo escolar, que iria equipar para a satisfação da minha alma e também da conclusão das coisas que prometi fazer. Desde aí está doada uma área e apesar de nunca ter sido bom discípulo, após a visita do bispo comecei a achar que Deus tinha lembrado de mim e li a Bíblia, quando ofereceres sacrifício, oferecer um animal ao meu altar em sacrifício, oferecer o melhor, sem mancha, sem frieira, sem doença, então assim pensando depois de trocar ideias com os meus familiares eu ofereci, botei a disposição da diocese e de seus colaboradores para o rumo da criação da grande escola, vários lugares, não precisava ser no local determinado por mim para a agrovila porque lá não tem água corrente, e eu notei que para se formar meninos assim precisava ter água para criar peixes, muita mata para estudar botânica e para plantar uva e fruticultura e mostrar que tem gente produzindo. Agora, há cerca de 20 a 30 dias, tivemos uma reunião onde compareceram a diretoria da Faculdade Católica em Palmas e mais uma vez adiantou com essa visita o nosso projeto. Ficou definido que numa belíssima área cercada por três águas e quatro cachoeiras com certeza será o local que vai dar prazer a mim e orgulho ao Tocantins e ao Brasil essa grande escola.

A comunidade da região está se mobilizando para protestar contra a instalação do presídio. O sr. acredita que é possível reverter a decisão quanto à localização?

Pela primeira vez eu que passei a vida inteira dizendo para meus filhos que homem não chora, vi o quanto eu estava debilitado por conta disso, por ver mexer com o último sonho, o meu projeto, a minha vida. Até aquele momento eu achei que estava terminando meus dias, mas depois da mobilização de amigos, vizinhos, o padre Aderso, a Igreja, eu até perguntei ao padre se a escola não fugiria daqui e deixaria sem o meu sonho e ele me disse nós não somos donos disso aqui, mas o nosso compromisso de ampliar as nossas escolas e oferecer os nossos serviços à comunidade não para aqui e agora temos mais uma razão para que nos empenhemos junto ao senhor em defesa desse projeto. Padre Aderso abraçou esta causa e tenho certeza que está fazendo andar, então depois daquelas lágrimas veio a oportunidade de fazer essa pergunta e depois dessa resposta somente essa escola garante que o governador irá repensar que tem tanto lugar adequado para este presídio que não seja no meio dessas maravilhas, aqui existe um clima diferenciado que todas as noites do ano dispensa ar-condicionado, ventilador. Temos alta umidade do ar, banhada diariamente pelo vapor de 11 cachoeiras no entorno da sede, no entanto base desse grande projeto, onde brigamos por cada palmo, que ninguém jogue uma latinha nem lixo, agora querem fazer cadeia. Outra coisa, temos em mãos o alvará de fontes autorizadas para grandes indústrias de cerveja e refrigerantes, a Nestlé já manifestou interesse, a Coca Cola, indústrias de sucos de Cam­pinas (SP) manifestaram a vontade de vir para cá, mas no entanto, não é lugar para se fazer esgoto em cima desse grande manancial de água mineral jamais visto no Brasil. O governador com certeza não sabe que aqui tem um inventário turístico. Eu gostaria que chegasse à mesa dele uma cópia desse inventário, que ele venha ver que maravilha turística a ser explorada, a ser divulgada como coisa nossa. Os presos que podem vir pra cá não é coisa nossa, são de outros Estados e nós não queremos cultivar isso aqui. Eu acho que esse inventário, o documento que prova a intenção de fazer essa escola, de fazer uma grande família produtora de fruticultura e hortigranjeiros vai ter eco. Eu não tinha identidade política, eu não queria, mas agora estamos criando por intermédio desse movimento, dessa compartilhação de amigos.

Essa não é a primeira vez que o sr. sofre um processo de desapropriação. Virou perseguição?

Faz menos de um ano que nós perdemos as duas últimas propriedades nos tribunais superiores em Brasília, mas ganhar como? Olha, a minha inocência, aos 74 anos num país que vinha de uma perversidade sem par, graças a Deus tomou rumo democrático, eu achei que não iria experimentar a democracia, mas tomou rumo democrático a partir do presidente Lula e agora mais arduamente com o trabalho da presidente Dilma (Rousseff) que está passando a limpo e fazendo com que todo mundo tenha direitos iguais. Veja bem, antes disso quando tomei conhecimento com meus 74 anos e eu achava que justiça ainda existia e que os tribunais eram sérios, não preciso dizer nada, juiz que foi favorável a Investco no processo não faz muito tempo que saiu algemado, quase amarrado com os quatro pés e aí nem precisamos falar da democracia que imperava aqui nesse pedaço de Brasil. Então eu perdi o local que tinha nome de Estância Bou­ganville, com 33 alqueires dentro do Canela (Palmas), área adquirida após ter perdido a primeira fazenda nas imediações onde é o aeroporto e investi ali sob orientação da própria Investco. Ali não ia ser impactado, portanto o Canela estava tomando rumo de cidade, passou a distrito, criou cartório e eu comprei ali na certeza que não seria impactado e no entanto perdi tudo. Ainda meses antes do processo favorável da Investco lá em Brasília fizeram um levantamento técnico e estava em jogo um patrimônio de R$ 32 milhões a ser vendido barato comparado às avaliações feitas pela CVI (Câmara de Valores Imo­bi­liários) para a própria prefeitura de Palmas, que no tempo do E­du­ardo Siqueira Campos vendeu a maioria das áreas naquela região, isso foi anexo ao processo. Tivesse eu um jeito de passar isso para a mesa do governador tenho certeza que ele também derramaria lágrimas como nós nos últimos dias ao ver tanta injustiça em cima de uma só pessoa.

O sr. se considera pioneiro injustiçado. Como o sr. avalia o processo de construção de Palmas?

Quando me deparei com o sistema de vendas de terrenos em Palmas eu vi que estava num lugar errado, num país errado, porque eu vim de uma longa passagem pelo Paraná, onde as cidades eram feitas por empresas privadas colonizadoras. Eu tinha o prazer e o sabor de viver a valorização em conjunto, o que eles tinham de resto estava valorizando, mas o que eles venderam também tinha grande valor. No entanto quando eu cheguei a Palmas já tinha havido uma licitação e não tinha lotes no balcão, e ninguém para vender lotes, se quisesse comprar estava tudo na mão de afilhados da organização, onde eu comprei dois lotes que veio de um cidadão que já era político na época, Leomar Quintanilha, outro da família do Ruy Adriano, e outro da família do Toninho da Brilho e não tinha lote no balcão, eu pensei isso não vai virar cidade, como faz uma coisa dessas? Até hoje ainda há uma sociedade anônima que trata disso. Foi muito doido isso desde o início. Muita gente que chegou muito depois teve o privilégio de arrumar uma sombra política e pegar comodatos, virar proprietário. Vou citar um exemplo, eu tive por 90 dias nos primeiros dias de Palmas com um trator em cima de um caminhão na porta de onde é o CCAA hoje, meu primeiro trabalho em Palmas, foi comprado um lote de segunda mão e construí o prédio onde o CCAA funcionou por 13 anos, numa rua pertinho das secretarias do governo. Todo mundo conhece onde funcionou o Imunolab, onde hoje funciona o Genesis. Veja que a gente construiu, mas naquela época ficamos com o trator em cima de um caminhão querendo arrumar uma área para trazer um cunhado que vivia no cinturão verde de São Paulo, em Suzano, especialista em plantar verduras, legumes e precisava ter um pedacinho de terra. E olha que no entorno de Palmas até onde Si­queira Campos tem a chácara, em frente existia uma fazenda de um cidadão chamado Neuzenor, quando eu estava quase comprando disseram que não era para derrubar uma taquara, onde a gente pedia informação, no Itertin e em tudo quanto era tins, dizia que não podia entrar de jeito nenhum. Daqui para Miracema, até mesmo o governador na época fez um gradilho de madeira onde é hoje a rodovia que liga Palmas a Miracema, plantando mangas porque era pra completar e não desfazer, mas a fazenda que eu não pude comprar imediatamente passou a ser do juiz Bernadino (Luz), em seguida uma fazenda do Eduardo, depois do Leon não sei de que do Tribunal de Contas, e bem na frente onde a gente não podia entrar nem para fazer necessidade porque era área verde protegida, bem na frente, no marco zero da JK, é propriedade, se não me engano, ainda do Bernadin. Todos esses homens que trabalham na Justiça, então como eu vou ganhar, eu humilde cidadão que não tem identidade política, como vou ganhar uma questão. Foi assim a distribuição, uma farra, como fizeram no passado. Eu até pouco tempo antes do governo Lula, antes do governo Dilma eu considerava que o Brasil não deixou de ser uma monarquia, simplesmente criou-se em cada Estado o seu rei e seus súditos e infelizes da­queles que não fossem um dos seus súditos, e eu não era um deles. É por isso que talvez eu tenha sido tratado simplesmente como um escravo.

O sr. se refugiou no alto da serra, mas não ficou livre desse processo. Como se sente com mais uma desapropriação?

Esse velhinho que tentou pelo menos viver em paz, eu achei que no esquecido município de A­parecida do Rio Negro, onde a cidade até hoje permanece a sua área urbana como rural, provavelmente a minha “rurabilidade” se é que existe essa palavra, podia se associar bem e viver aqui. No entanto não basta ter água mineral da melhor qualidade, não basta ter oxigênio da melhor qualidade, aqui todas as noites são gostosas para dormir. Mas dormir como se tem alguém cutucando querendo até seu último ninho, querendo tomar sua propriedade como nesse caso? Faz quatro anos que eu me arrasto como um boi de carro e a carniça dos demais bois que morreram, como já fiz essa comparação, na tentativa de criar essa agrovila, nunca tive sequer uma benção política, uma ajuda, uma hora de máquina. Tive sim muita dificuldade com as minhas crianças, e era muito duro levar essas crianças para Palmas. Aparecida é muito pobre e não tinha nem um jumento para vir buscar e nem sabia que isso aqui era município de Apa­recida. Então eu por intermédio do professor Ivo, diretor na época do ginásio do colégio Daniel Batista, intercedeu junto ao secretário de Transportes, que junto ao prefeito Raul nos conseguiu na época um ônibus que atuou aqui por uns dois anos ou mais levando os alunos. O prefeito de Aparecida do Rio Negro me perdoe, mas ele sabe disso, de repente ele achou que essa verba que vinha para o transporte era muito grande e não permitiu mais a entrada do ônibus (de Palmas) até aqui e que levaria com o carro de Aprecida. Vem aqui uma caminhonete que pega uns 30 alunos no entorno, como se tivesse carregando batata, todos “desamarrados” na caminhonete, leva até a fazenda do lado, onde está o ônibus que só vem até ali porque não tem freio, direção, motor, nada. Corre um risco gravíssimo de cair nessa ribanceira e não sobra nem a alma das crianças. É até pitoresco, eu queria contar sobre esse nosso transporte dos alunos. Tem um casal simpaticíssimo aqui ao lado, meus vizinhos de fazenda, mais conhecido por Vilôr e a senhora dele, com aquele jeito baiano, jeito de mãezona, tão amável, tão interessante, e eu lamentando o jeito como meu filho estava sendo levado para a escola e ela disse não seu Olavo, o senhor tem que ter paciência, nós estamos aqui há muitos anos, o senhor sabe o ano passado esse transporte que tem aqui em Aparecida, eu fui fazendo os risquinhos dos dias que o ônibus não veio, e meu menino ano passado faltou 189 dias de aula. Essa é a ajuda que temos tido aqui nesse esconderijo, nessa área que foi encontrada agora.

 Fonte: Ruy Bucar/Jornal Opção

   

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